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Quem disse que dinheiro não dá em árvore?

Quem disse que dinheiro não dá em árvore?

Novembro de 2014 se tornou um marco para o produtor rural Fernando Mendes. Após dez anos tentando regularizar a situação de sua propriedade de 5 mil hectares cravada no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, na Bahia, ele finalmente será indenizado, o que lhe permitirá deixar a unidade de conservação e partir para outra atividade, num lugar distante dali.

Ainda em fase de ajustes na negociação, Mendes faz cálculos em voz alta de quanto pode receber. Ele diz que, no mínimo, serão 12 sacas de soja por hectare. Na cotação atual, isso representaria cerca de R$ 3 milhões pelo lote. Menos do que ele gostaria e do que talvez a terra de fato valesse se a produção agropecuária não tivesse sido banida ali, mas o suficiente para virar a página.

Diferentemente dos demais casos de indenização (relativamente poucos, até agora) em áreas decretadas de proteção ambiental, não será o Estado quem pagará a conta. Mendes está tratando do assunto com um grupo de sojicultores do município de Luís Eduardo Magalhães, cujas fazendas apresentam déficit de floresta e que agora buscam a regularização sob a ótica de ferramentas inovadoras aprimoradas pelo novo Código Florestal.

O caso de Mendes é o que se chama de doação – o proprietário rural deficitário em Reserva Legal (percentual de vegetação nativa que deve ser preservada) compra o equivalente ao seu passivo de outra área privada localizada em uma unidade de conservação e a doa ao Estado, quitando sua dívida ambiental. É uma triangulação onde todos ganham – o fazendeiro, porque regulariza sua propriedade, quem está no parque, porque é indenizado, e o governo, que se livra da obrigação de desapropriar.

“Estou convicto de que esse é o caminho. O Estado nunca me indenizaria”, diz Mendes, que adquiriu a fazenda seis meses antes de o governo federal decretá-la como área de proteção integral, em 2004, por sua relevância ecológica e beleza.
Neste acordo, seis fazendeiros farão a doação ao Instituto Chico Mendes, administrador do Grande Sertão Veredas, no primeiro caso de uma compensação coletiva do país. Pela lei brasileira, eles precisam manter 35% da propriedade com vegetação nativa do Cerrado. Leandro Aranha, diretor da Geoflorestas, consultoria que apresentou vendedor a compradores, estima que o déficit florestal deve oscilar entre 12% e 16% da área total de 25 mil hectares das propriedades.

Não é apenas o destino de um agricultor que está em jogo. O que ocorre em Luís Eduardo Magalhães é emblemático. Com 3 milhões de hectares ocupados com lavouras, o município é o maior produtor de grãos do Nordeste e um dos maiores em algodão no país. Uma iniciativa ambiental de sucesso ali, portanto, pode ter o poder multiplicador para dar escala à regularização florestal, colocando o Brasil na rota da sustentabilidade demandada por compradores internacionais e sonhada por ambientalistas.

“Se esse projeto der certo, a coisa deslancha. Muito agricultor vai compensar dentro do parque porque a ideia é mesmo interessante”, afirma Marcelino Kuhnen, diretor do sindicato rural do município.

A doação de florestas começa a ganhar fôlego graças a aprovação do novo Código Florestal, que institucionalizou o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e trouxe clareza ao processo de regularização ambiental. Com regras melhor definidas, passou a ser possível pensar até na precificação das florestas nacionais. Não é de surpreender que a sigla tenha colocado o agronegócio brasileiro em polvorosa.

Obrigatório a todos os donos de terra no Brasil, o CAR é um cadastro online do governo federal onde o produtor insere imagens com coordenadas geográficas da propriedade e tudo o que diz respeito a ela – área rural consolidada, presença de rios, florestas, estradas e instalações. “É o Raio-X rural”, resume Raimundo Deusdará, diretor de Fomento e Inclusão Florestal do Serviço Florestal Brasileiro. Com um pulo do gato: ao se cadastrar, o sistema já pergunta ao produtor como ele pretende compensar o déficit florestal da propriedade, amarrando a regularização no ato.

Desde que foi regulamentado, em maio, o CAR acumula pouco mais de 500 mil propriedades registradas. No oeste baiano, 35% da área agricultável já está cadastrada – o que ajuda a explicar porque as compensações começam a ser estruturadas em Luís Eduardo Magalhães. Outros Estados caminham bem, como Mato Grosso.

É pouco se comparado ao tamanho do Brasil e para o prazo de cadastramento (5 de maio de 2015). Para especialistas, o atraso se explica principalmente pela cultura do agricultor de ver o que o vizinho está fazendo para depois fazer igual. “O gargalo ainda é a desconfiança do produtor. Sempre que veio lei nova, ele foi penalizado. Agora, ele teme que se fizer a declaração, o governo vai cobrar multa pelo passivo ambiental”, diz Daniel Ramalho, coordenador de biodiversidade da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, Estado com pouco mais de 26 mil propriedades cadastradas.

Criado para ser uma ferramenta primordialmente de gestão ambiental, o CAR ajudará a resolver outro grande problema: a gestão do território. Isso porque, quando todas as 5,6 milhões de propriedades rurais brasileiras estiverem mapeadas, será possível criar uma fotografia do campo “sem fotoshop”, pondo fim à sobreposição de propriedades rurais, hoje uma das maiores travas jurídicas para investimentos. A expectativa é que, com o cadastro, seja possível, ainda, identificar maciços florestais e de produção – e, consequentemente, áreas verdes e de expansão de lavoura prioritárias.

“Estamos falando do início de uma revolução ambiental e territorial neste país”, diz Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente.

“É o início de uma revolução ambiental e territorial neste país”, afirma a ministra Izabella Teixeira
Apesar das desconfianças, a percepção é que o cadastramento é um caminho sem volta. Após o prazo oficial, compradores de produtos agropecuários passarão a vincular as negociações ao CAR. A Abiove, associação que reúne indústrias de óleos vegetais, declarou, no início do ano, a substituição da Moratória da Soja (que prega o desmatamento zero) pelo cadastro ambiental. Quem não o tiver, corre o risco de ficar com a própria safra na mão.

A corda tende a apertar mais a partir de 2017, quando os bancos estarão impedidos por lei de conceder crédito a quem não apresentar o CAR.

Para acelerar esse processo, sindicatos, cooperativas e associações já articulam reuniões país afora para esclarecer o que é o cadastro, seus riscos e suas oportunidades.
Com 22 mil cooperados em São Paulo e no Triângulo Mineiro, a Coopercitrus realizou 44 encontros com produtores neste ano. Fernando Degobbi, diretor de marketing do grupo, diz que o entendimento do assunto está avançando. “Quem tem propriedade maior está mais preocupado”, diz ele, referindo-se aos 8% de associados com áreas superiores a 300 hectares. “Os menores ainda têm muitas dúvidas sobre o CAR”.
Em parceria com a consultoria Biofílica, que auxilia a Coopercitrus no trabalho, o volume de CAR dos associados está crescendo, e a expectativa é ter 100% dos associados cadastrados até o prazo da lei.

Segundo Degobbi, cada CAR sairia por R$ 800 – até o Santander fazer uma proposta. De olho na ampliação da sua participação no mercado de crédito rural e no varejo brasileiros, o banco se ofereceu para arcar com metade do custo do cadastro para a cooperativa – desde que o cooperado tenha ou, melhor ainda, abra com eles uma conta corrente.
“Se der certo”, diz Walmir Segatto, superintendente de agronegócio do Santander, “a iniciativa pode ser replicada. É do interesse do banco ter clientes regularizados”.

Para o governo federal, o interesse pelo CAR feito coletivamente deve ser uma tendência setorial ou empresarial. Suzano Papel e Celulose, Comigo (cooperativa agrícola de Goiás) e Biosev, do segmento sucroalcooleiro, também adotaram a estratégia, com o mapeamento de áreas próprias e arrendadas.

Já as consultorias ambientais olham mais à frente. Se o cadastro é bom, a regularização da propriedade será melhor. “O CAR é o primeiro passo. Mas é preciso pensar a regularização”, diz Plínio Ribeiro, diretor-executivo da Biofílica.
Luis Eduardo Magalhães mostrou interesse em compensar seu déficit florestal no Grande Sertão Veredas pela proximidade e oportunidade. O Código Florestal determina que compensações sejam feitas no mesmo Estado ou bioma – no caso do oeste baiano, o Cerrado – e, como Mendes, ao menos 200 famílias ainda moram no parque. Portanto, oferta existe.

Mas compensar passivos em unidades de conservação não é a única alternativa. A primeira, e quase sempre a menos atraente, é o replantio de floresta na propriedade. Na ponta do lápis, poucos acharão vantagem econômica em trocar soja por árvore. Outra modalidade é a servidão – o aluguel de estoque excedente de florestas em outra propriedade particular. Em breve, também será possível negociar estoques de florestas no mercado futuro, através das Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), a exemplo do que ocorre no mercado de commodities agrícolas.

Seja como for, é melhor o produtor se garantir rápido. “Quem deixar por último, pagará mais pela floresta”, diz Aranha, da Geoflorestas.

Se na Amazônia e no Cerrado os estoques de vegetação nativa ainda são altos, o mesmo não pode se dizer sobre a Mata Atlântica e o Pampa, onde a produção agropecuária está consolidada e os remanescentes florestais são limitados.
Como todo mercado incipiente, os preços florestais ainda estão em formação. Quem dita quanto vale seu lote de árvores é o vendedor; paga quem quer ou não tem opção. A Biofílica, por exemplo, prevê a movimentação de até R$ 50 bilhões nos próximos anos em transações com matas nativas no país.
“A floresta vai ter muito valor e estamos começando a entender isso”, diz Degobbi, da Coopercitrus. Segundo ele, a opção mais barata de regularização ambiental hoje é a servidão. “O hectare de cana na região de Bebedouro pode chegar a R$ 40 mil. O de floresta no Vale do Ribeira, R$ 8 mil. Talvez chegue uma hora em que o preço do hectare da mata em pé seja tão alto que valha a pena regenerar. Mas ainda não é o caso”.

Caberá aos Estados definir as prioridades de compensação, levando em conta áreas mais frágeis do ponto de vista ecológico e fluxo gênico, entre outros aspectos.

Em geral, as unidades de conservação aparecem como boa alternativa, dependendo do bioma. Na Mata Atlântica, essa opção é incerta por falta de titularidade da terra. É o que impede as desapropriações da Serra do Mar, diz Ramalho, do governo paulista. Segundo o Instituto Chico Mendes, porém, há 5 milhões de hectares de domínio privado em áreas protegidas pela federação que podem ser negociadas, e os questionamentos sobre elas têm aumentado pós-Código Florestal. O mapa territorial brasileiro começa finalmente a ganhar tons de verde mais precisos.

Fonte: Valor Econômico (http://www.valor.com.br/agro/3781080/quem-disse-que-dinheiro-nao-da-em-arvore)

Leia mais em: https://geoflorestas.com.br/noticias/Quem disse que dinheiro não dá em árvore – Valor Econômico 17.11.2014.11.2014.pdf

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